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Porventura, creu nele alguém dentre as autoridades ou algum dos fariseus?
Quanto a essa plebe, que nada sabe da lei, é maldita... (João 7.48-49)

quarta-feira, 30 de junho de 2021

O cobertor comum

 Envelhecimento 05

- Quando você emprestar alguma coisa ao seu próximo,
e ele prometer como garantia de pagamento a capa de dormir...
Se ele for pobre, não fique com a capa durante a noite:
devolva-a ao dono antes do pôr-do-sol,
para que a use como cobertor. Ele ficará agradecido,
e você terá feito aquilo que o SENHOR, nosso Deus, acha certo.

Deuteronômio 24.9-13

O advento do Reino dos Céus aconteceu também no momento de uma grande crise sócio-político-econômica que assolava os reinos dos homens habitados pelos primeiros cristãos, Judá e o Império Romano. Para superá-la os novos convertidos não cogitaram de nada parecido com um golpe ou complicada reforma política, tributária ou coisa que o valha: submeteram-se de imediato voluntariamente às Leis do Novo Reino.

Elas sempre foram parcialmente observadas por um grupo maior ou menor de cidadãos de boa vontade em vários lugares, pois trata-se do procedimento mais natural do mundo estender a riqueza produzida por todos para cobrir a necessidade de cada um.

Enquanto sobra espaço sob esse cobertor comum, o cobertor público mostra-se demasiado curto: em primeiro lugar porque este é de fato constituído por uma pequena parcela daquele, arrecadada dos próprios beneficiários em forma de impostos diversos, através de um processo muito complicado e dispendioso, de modo que mais da metade fica pelo caminho, sem falar nas sonegações, riscos de vazamentos, custos das licitações, nem sempre confiáveis, etc. Além de curto, está também todo furado.

Sendo assim, os cidadãos que controlam o espaço que sobra sob o cobertor comum não se mostram muito dispostos a simplesmente pagar mais impostos para melhorar a situação, preferindo apoiar naturalmente iniciativas de gestores de boa vontade também comuns nos quais confiam e conhecem, juntamente com os próprios beneficiados. Essa proximidade possibilita que os recursos venham temperados com boa dose de afetividade e calor humano; no caso dos idosos, talvez ainda mais necessários do que as próprias doações financeiras. Além disso, reduz significativamente as perdas no trajeto entre contribuintes e destinatários, bem como os custos, quando a ajuda toma a forma de doação de material e trabalho voluntário.

Agora mesmo, neste nosso inverno sócio-político-econômico, muitas iniciativas cidadãs dessa natureza bastante criativas estão em ação bem perto de cada um de nós, necessitando de nosso aporte com urgência. Basta olhar à volta, desviando um pouco os olhos demasiado focados nos escândalos que nos fascinam. Se não encontrarmos, talvez seja necessário nós mesmos darmos o primeiro passo, e certamente não teremos dificuldade em encontrar quem só esteja necessitando de uma companhia para iniciar a caminhada.

Lembrando ainda que, se a gestão do cobertor comum compete a cada cidadão, numa democracia o cobertor público também, em parceria com os beneficiários.

Segue: Envelhecimento e cidadania.

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Cobertor público

Envelhecimento 04

Trabalhem para o bem da cidade
para onde eu os mandei como prisioneiros.
Orem a mim, pedindo em favor dela, pois,
se ela estiver bem, vocês também estarão.

Jeremias 29.7

Mais importante é ser do que ter” dizem os que têm onde morar, mesa farta, agasalho no inverno, saúde, amparo nas adversidades... É verdade que para ser não basta ter, mas é preciso contar pelo menos com um mínimo para ser plenamente humano, uma pessoa.

A grosso modo, esse mínimo é reconhecido como um direito natural, de cada indivíduo, e também universal, que deve alcançar a todos. Quem produz a totalidade dos recursos para suprir tal direito são os próprios beneficiários, através de seu trabalho. Economicamente falando, o que caberia a cada um e a todos retornaria em forma de salários. Mas, contraditoriamente, segundo nossa prática econômica, esse retorno não é suficiente para a grande maioria, principalmente para os que mais se desgastam; uma minoria recebe além da conta, a ponto de se acharem super-homens.

Dentre os direitos universais contam-se os de alimento, moradia, educação, saúde e amparo aos portadores de necessidades especiais, como as dos idosos em geral, anteriormente cobertas em parte por organizações religiosas, solidárias e assistenciais. No Brasil, como em outros países, essa cobertura passou por lei a ser responsabilidade do poder público. Talvez por confiar demais na capacidade do novo parceiro, o aporte daquelas diminuiu muito. Mesmo que não tenha desaparecido completamente, o cobertor continua ainda, além de remendado, escandalosamente curto.

Para começar, governo não é o melhor fiador para os direitos individuais e universais. Primeiro, porque atribui inicialmente às famílias a responsabilidade de prover as necessidade de seus membros tecnicamente chamados de incapazes. O fato é que a maioria daquelas são pobres e mantidas mesmo pelos benefícios previdenciários e sociais recebidos por estes. Em resumo, para ficar claro: os incapazes acabam amparando com sua incapacidade seus capazes, muito precariamente, é evidente. Basta dar uma olhada ao nosso redor para perceber também que tal atribuição não é cumprida nem por grande parte dos que dispõem de recursos; a dimensão e as causas dessa verdadeira agressão aos direitos naturais dos mais próximos encontram-se na complexa parte submersa do envelhecimento emergente e dependem de estudos que ainda estão no início.

Talvez esses estudos venham a gerar novas leis, mais favoráveis aos idosos. Mas não podemos esquecer que grande parte do estabelecido na Constituição brasileira de 1988, há 33 anos, ainda continua letra morta, e de perguntar: por esse caminho, quantas gerações devem passar para que seus velhos usufruam da riqueza e das vidas que se desgastaram para gerar e manter?

Existe um caminho mais rápido: sem tantas curvas, barreiras, pedágios...

Segue: O cobertor comum.

segunda-feira, 14 de junho de 2021

2021 – um ano invernal

Envelhecimento 03 

Enquanto o mundo existir, sempre haverá semeadura e colheita,
frio e calor, verão e inverno, dia e noite."
Gênesis 8.22

Pode ser que eu fique algum tempo com vocês, talvez todo o inverno,
e assim vocês poderão me ajudar a continuar a minha viagem
para onde quer que eu for.

1 Coríntios 16.6

Fiel como sempre, a natureza nos proporciona mais um inverno a partir desta semana. Apesar de o clima continuar meio desagradável, o sol vai aparecer cada dia mais cedo, elevando-se pouco a pouco e desaparecendo mais tarde: dias mais longos, noites mais curtas. No final, mais claridade e calor, menos trevas, menos frio.

Meio parecido com o clima sócio-político-econômico deste ano: ainda muito hostil ao cidadão comum, mas um pouco menos confuso; as forças políticas mais positivas, que pareciam meio adormecidas, começaram a se movimentar no sentido de reaquecer nossa esperança.

No ambiente natural, a chegada da estação seguinte, a primavera, é mais que uma esperança, uma certeza, com tudo o que ela traz de bom, bonito e agradável: os frutos, as flores, os pássaros, seus sabores, suas cores, suas melodias... o amor, diria o poeta. Para acontecer dessa maneira, não somente o sol, mas também o ar e as águas comportam-se nas alturas sempre da maneira correta, mas não basta.

Decisivo é o trabalho realizado paralelamente no subsolo, pelas minhocas e seus minúsculos colegas. Ninguém os vê, ninguém elogia, aplaude ou curte. Às vezes são notados pelos agricultores, seus companheiros da superfície, mas retornam rápido ao anonimato. O meio-ambiente como um todo, em comum, proporciona-lhes todo o necessário para que concluam sua tarefa com perfeição.

No ambiente sócio-político-econômico, para além da atmosfera também só existe espaço para os grandes astros. Abaixo destes, uma multidão disputa às cotoveladas visibilidade, plateia, elogios, aplausos, seguidores, curtições..., amores duvidosos, tendo ou não a oferecer uma contribuição positiva. No subsolo, uma multidão quase anônima se desdobra em suas tarefas, sem receber o mínimo necessário para produzir a riqueza comum de que todos logo acima dependem e reclamam.

Seus idosos não se tornam menos produtivos ao passar a perceber uma aposentadoria; mas sua produtividade diminui com o agravamento das dificuldades próprias do envelhecimento, em grande medida decorrentes dos maus tratos sofridos quando ainda produziam bastante.

Neste ambiente também, é o trabalho coletivo e anônimo realizado hoje no subsolo que formatará a estação que vai suceder esse ano invernal. Talvez você precise descer ao anonimato, ou amparar de alguma maneira os que lá se encontram, para gerar a primavera que os novos idosos do futuro estão precisando: melhor, mais bonita e agradável... amor verdadeiro.

Até lá, o que temos mesmo é o Cobertor público, a seguir.


quarta-feira, 9 de junho de 2021

Finanças comuns

Envelhecimento 02

 

Ninguém usa um retalho de pano novo
para remendar uma roupa velha;
pois o remendo novo encolhe e rasga a roupa velha,
aumentando o buraco.
Marcos 2.21

Como o nome está dizendo, chamamos de finanças públicas aquelas aplicadas à riqueza gerida, administrada pelo poder público, pelo governo, pelo Estado. Finanças comuns se referem às relacionadas com o total da riqueza existente no país, sob a responsabilidade de uma multidão de gerentes, além do poder público; entre eles estão as empresas, as igrejas, entidades em geral, qualquer empreendedor e mesmo indivíduos – desde navios enormes até os muito pequenos.

Portanto, atendo-nos ainda apenas ao aspecto financeiro, percebemos que a ampliação da expectativa de vida, somada ao crescimento da proporção de idosos com relação à totalidade da população nesta virada de século, bem antes de provocar enorme rombo nas contas do navio da Previdência, já vinha causando danos bem maiores nos incontáveis barquinhos, quase invisíveis, que compartilham as finanças comuns, navegando em volta.

Um exemplo significativo: de acordo com os gestores públicos, a população idosa, aposentados e pensionistas, não têm condições de prover os recursos necessários para sua sobrevivência, são dependentes, devendo ser sustentados com recursos gerados pelos mais novos, supostamente produtivos. Mas, embora não se disponha de dados completos, chega a ser impressionante o número de filhos e netos que, invertendo a situação, dependem eles próprios da aposentadoria e outros benefícios sociais recebidos pelos seus velhos.

Esse pode não ser o seu caso, mas remendos dessa natureza nos afetam constantemente. Refletem as enormes limitações do poder público e de suas finanças. É hora de se perguntar: podemos esperar que este, contando apenas com a parte que está a sua disposição, venha a suprir as necessidades de todos os cidadãos que se desgastam para gerar a totalidade da riqueza comum?

Os primeiros cristãos encontraram outra saída. Na época, o Império Romano é que administrava as finanças públicas, insuficientes até para garantir sua própria sobrevivência. Então, os cidadãos do Novo Israel de Deus, passaram a ser radicais na aplicação da riqueza comum sobre a qual tinham controle, obedecendo sem rodeios a Lei de Moisés, com relação aos necessitados:

...eu ordeno que vocês sejam generosos com todos eles.
Deuteronômio 15.11

Ninguém considerava exclusivamente sua
nem uma das coisas que possuía;
tudo, porém, lhes era comum...
Pois nenhum necessitado havia entre eles...

Atos 4.32-34

A Economia de roupa nova, própria para o inverno.

Segue: 2021 – um ano invernal.

quarta-feira, 2 de junho de 2021

É pra hoje

Envelhecimento 01

Sempre haverá pobres e necessitados no meio do povo,
e por isso eu ordeno que vocês sejam generosos com todos eles.

Deuteronômio 15.11

A pandemia vai passar, todos esperam. Então tudo voltará a ser como antes? Lembra-se como era? Quer mesmo que volte? Se tivesse sido um pouco diferente, talvez o hoje não fosse tão tenebroso. Por isso, todo mundo quer saber o que faltou fazer ou foi feito errado ontem, apontar os culpados, remediar o que for possível, etc.

Do mesmo modo, como vai ser o amanhã, depois da pandemia, depende também do que está sendo feito, ou não, agora: É pra hoje.

Como ficará o problema da fome no Brasil? Do desemprego, da violência, da educação, da saúde? Para que ninguém se sinta excluído e pense na possibilidade de cair fora, consideremos uma situação que nunca foi fácil encarar, que tende a piorar e da qual ninguém escapa, nem deseja fazê-lo: a velhice.

O artigo 230 da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, já determinara:

A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

Entretanto, mesmo com a promulgação da Política Nacional do Idoso, em 1984, e do Estatuto Nacional do Idoso, em 2003, muito pouca coisa significativa foi feita de concreto até agora. Enquanto isso, a expectativa de vida, que em 1900 era de 33,7 anos e 43 em 1950, crescia aceleradamente: em 1990 saltara para 65 anos; em 2000, pulou para os 70 anos e em 2017, para 76, e não deve desacelerar tão cedo.

Tem mais: à medida que se amplia a expectativa de vida, cresce também a proporção de idosos com relação à totalidade da população: em 2018, em cada 100 brasileiros, apenas 13 haviam passado dos 60. As projeções dos especialistas indicam que em 2043, quando quem tem hoje 37 anos ou mais chegar lá, serão 25 para cada 100, ou seja, a proporção de idosos praticamente dobrará em apenas um quarto de século

É compreensível que até o final do século passado a velhice tenha despertado pouca atenção dos brasileiros, pois apenas em 1990 a expectativa de vida atingiria os 65 anos, idade média em que se agravam as dificuldades próprias da idade avançada. Os idosos eram relativamente poucos e seus problemas não pareciam tão mais graves comparados com os que acometiam toda a população, numa época em que tudo era mais difícil.

O fenômeno emergiria na virada do século como a ponta de um iceberg, prognosticando um enorme rombo no casco do navio da Previdência e outro nas contas do Sistema de Saúde. Mas a amplitude e a natureza da montanha submersa ainda está para vir à tona, pois os estragos nos transtornos relacionados à velhice deverão ser muito mais sérios do que um arranhão nas finanças públicas. Ou Finanças comuns? - Nosso próximo assunto.